Na 2ª feira, dia 16/01/2012, tão logo terminamos o café da manhã, nos despedimos, tendo o Germán seguido para sua empresa e a Claudia para a fisioterapia no cotovelo, operado em consequência de queda na Amazonia brasileira, poucos dias antes de chegarem a Tucumán, final da incrível viagem.
Através do já meu conhecido amigo GPS, segui para os pontos definidos pelo Germán, agora em direção a Ushuaia, concluídas minhas visitas aos amigos motociclistas que tinha na Argentina.
Eram cerca de 19h30 quando abasteci em Chilecito. Curiosamente, uma lei municipal proíbe ao frentista abastecer uma moto se seu condutor tirar o capacete. O calor era imenso e a primeira coisa que fiz ao descer da moto foi tirar o meu, quando o frentista parou de colocar o combustível. Explicou-me sobre a lei e tornei a colocar o capacete... Pago o frentista, bebi um gatorade para repor líquido e sais minerais. Pela hora, o sol ainda brilhava e faltavam somente 105km para chegar ao ponto final do dia, no roteiro do Germán. Entendi que chegaria a Villa Unión por volta das 20h30, mais ou menos. Decidi, então seguir viagem.
A estrada estava muito boa, a moto, como sempre, uma tetéia deliciosa e eu feliz da vida, apreciando aquelas paisagens montanhosas, aquele silêncio dentro do capacete, quebrado somente pelo vento.
Depois de uns 40/50 km rodados, li uma placa dizendo: Final do trecho asfaltado. Foi ler e entrar no rípio. Havia me esquecido do que dissera o Germán, que pegaria um trecho de rípio entre Chilecito e Villa Unión. Putz, entrei no rípio com toda a cautela, pilotei numa boa a 20 e 30 km/h, numa estradinha cheia de curvas, muito estreita, com passagem para somente um carro, tendo à lateral barrancos e precipicios de vários metros. O piso vermelho de terra, muitas pedras de pequeno tamanho não foram obstáculo para a poderosa R1150GS que pilotava. Com vagar fui subindo e fotografando o mais que pude, embora me preocupasse os restantes 60/70 km com a noite caindo sobre os vales.
Naquela região há o vale Cuesta de Miranda, abrangendo todas as fotos que fiz acima.
Bem, alguns km à frente, quando terminou essa pequena estradinha, apertada, cheia de curvas e piso que exigia cautela aos pouco acostumados com estradas não asfaltadas, como eu, ela se abriu mais, permitindo passagem de 2 carros na pista. Embora ainda com rípio, este se mostrou mais firme e a moto apresentou-se mais equilibrada, tendo eu acelerado para uns 40/50 km/h.
Passou ao meu lado uma camioneta em velocidade muito maior, levantando poeira incrível que me tirou toda a visão da estrada. Sabia que ela era reta pela memória visual anterior e usei somente o freio motor para reduzir a velocidade, já que não enxergava nadinha. Pude perceber que o motorista chegou a brecar logo adiante de mim, quem sabe uns 10 ou 20m pelo brilho das lanternas traseiras.
O que dizer a vocês, na velocidade que vinha, saí daquele rípio firme e entrei num rípio formado por areia, pedriscos e pedras. De imediato, a Piu Piu balançou perigosamente e daí em diante, comportou-se com um cavalo de rodeio. Corcoveou, sua frente não coincidia com a traseira e debalde foram meus esforços para endireitá-la, tal a instabilidade do piso. Segurei-a por uns 30m e acabei soltando-a, rolando pelo rípio arenoso.
Eram, exatamente, 21h02, de 16/01/2012, 11 dias após minha saída de Sampa. Havia rodado até então 5.280km, contados os quase 900km daquele dia. Faltavam-me cerca de 11.500km pelo projeto original de chegar a Ushuaia, indo pela Ruta 40 / Carretera Austral e retornando pela Ruta 3.
Não foi a primeira vez que caio da moto em movimento, realmente, depois de tantos anos pilotando moto, foi a segunda, enquanto muitas vezes caí ou deitei a moto, paradinho da silva, em postos de gasolina, escorregando no piso ou terrenos fofos, afundando o suporte lateral.
Eu estava completamente paramentado de motociclista, em que pesasse o calor reinante. Esta foi minha salvação, haja vista que me levantei sem um arranhão, embora todo empoeirado, com areia/pedriscos no capacete e dentro da roupa.
Minha brilhante R1150GS douradinha - Piu Piu jazia deitada na beira da estrada, sobre sua mala esquerda. Tenho fotos desta triste situação, porém me reservo o direito de não publicá-las, acreditando que vocês me compreenderão.
Saquei-lhe as malas e a bolsa superior que trazia amarrada no banco garupa. Tentei levantá-la e, ainda que esteja em ótimas condições físicas, depois de meses treinando em academia para tais ocasiões, não consegui. A lateral da estradinha tem uma canaleta para escoamento de água e como ficou a moto, estava impossível levantá-la sozinho.
Esperei uns 30 minutos sem que um carro passasse. A noite caía rapidamente e eu sabia que o frio acompanharia a escuridão. Estava me preparando para montar minha barraca quando vi um homem caminhando em minha direção. Conversei com ele e pedi-lhe ajuda para levantar a moto. Da forma tão comum aos argentinos, muito simpaticamente me ajudou a coloca-la sobre seu suporte lateral.
No quase escuro, não pude confirmar o estado da moto, mas procurei verificar os danos. Concluída a inspeção e crendo que o óleo tivesse voltado ao carter, liguei a chave, o painel acendeu e a moto pegou!!! Incrível, mas ela ronronava como se nada houvesse acontecido.
A iluminação dianteira estava prejudicada, pois ambos os faróis perderam a regulagem, tendo o de alta se quebrado. A lanterna (pisca) esquerda dianteira também se rompera na queda. Tudo bem, pensei, vamos ver como ela está rodando...
Coloquei-lhe as malas laterais, a bolsa traseira e, vagarosamente, continuei no rípio, ainda que com quase nenhuma visibilidade. Acreditem, não vi mais nenhum carro ou moto ou gente na estrada. Ainda bem que "meu cavalo" estava me levando a Villa Unión.
Logo após 7 km percebi que havia me enganado com o trecho de rípio, pois o asfalto retornou e a chegada a Villa Unión ficou facilitada. Como percebem, a perda de visão com a poeira, a velocidade, mesmo que baixa, e o rípio provocaram minha queda e, consequentemente, a interrupção da minha viagem.
Muito empoeirado, cansado, com tremenda sede e, acima de tudo, muito frustrado, cheguei ao pequeno hotel.
Após beber uns 2 litros de água do bebedouro da recepção, fui ao quarto onde tomei banho, colocando roupas limpas. Fiz várias fotos registrando as avarias da moto visando enviá-las ao meu corretor, de forma a que ele entrasse com o sinistro rapidamente. Naquela mesma noite, pelo Skype, consegui contato com minha sócia e secretária Iracema, reportando-lhe a situação e pedindo que acionasse a Assistência 24 Horas da Seguradora Allianz.
Pelo adiantado da hora, deitei-me, comendo antes 2 barrinhas de cereais que levava comigo.
Pensei que seria o final da viagem, entretanto ela continou, pelo menos em meus relatos.
Tchau!